sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Um breve desabafo


Oi pessoal, desta vez estarei fazendo um texto um pouco diferente, pois falarei de mim mesma. Um breve desabafo  a respeito dos diversos questionamentos, equívocos e situações, muitas vezes constrangedoras, que assim como acontecem comigo, acontecem também diariamente com todas as pessoas inseridas na comunidade trans*.

Para quem não sabe ainda, meu nome é Samara Diamond, mulher trans* e criadora desse blog "Por Um Mundo Mais Humano". Sou uma mulher bem resolvida, feliz após ter finalmente criado coragem de assumir minha identidade trans* a alguns anos, o que me conferiu um sentimento libertador, pois a partir de então, eu não precisaria mais corresponder às expectativas do que seria o "moralmente aceitável". Embora quando criança eu não compreendesse o que seria esse sentimento, eu sempre gostei muito de "coisas de menina". Gostava de bonecas, maquiagens, usava, às escondidas, as roupas de minha mãe, salto altos, etc, e sentia uma inegável atração por garotos. No entanto, devido à educação que me foi dada, eu reprimia esses sentimentos e preferências. Não que necessariamente para ser menina tenha que gostar exclusivamente de coisas ditas "de menina". Eu sempre fui bem eclética nesse sentido e ainda sou.

Viver em uma família cis-heteronormativa e altamente regida por dogmas religiosos não é nada fácil. Precisei viver uma vida dupla por muitos anos. Para uma pessoa trans*, entre a década de 80 e o início do século XXI, não era fácil se assumir. Assumir-se como LGBT, principalmente trans*, era praticamente 90% de chance de ser expulsx da família e viver à margem da sociedade. Hoje os tempos mudaram, a comunidade trans está ganhando cada vez mais visibilidade e representatividade nos mais diversos meios. Entretanto, ainda somos carentes de políticas públicas e leis que nos garantam a cidadania e dignidade humana e embora a comunidade LGBT em geral tenha conquistado muitas coisas, infelizmente no decorrer dos anos de militância, sempre focaram mais no segmento cis da sigla, deixando-nos mais uma vez à margem do próprio segmento. Apenas recentemente começaram a ser adotadas medidas que promovam um resgate à cidadania para as pessoas trans*, mas ainda não é em todo o território nacional.

Não raro, ainda sou chamada pelo meu prenome masculino e tratada como "ele". Ainda preciso fazer o uso de meu nome de nascimento nas mais diversas situações, onde infelizmente, as pessoas transgênerxs ainda não têm os seus direitos respeitados. Situações que por vezes acabam por serem vexatórias a partir do momento em que a pessoa me chama em voz alta pelo prenome masculino, ignorando totalmente o meu nome social, na frente de diversas pessoas. Pessoas próximas, inclusive familiares, que tendem a fazer o mesmo constantemente, ou que quando resolvem me chamar pelo nome "Samara", o fazem em um tom um tanto quanto "duvidoso", com uma certa dose de ironia no tom de fala. Por esse motivo, faz-se necessária a aprovação da Lei João W Nery o PLC 5002/2013, que assegura à comunidade trans* o direito de mudar seu nome em todos os registros oficiais, de forma definitiva e despatologizando a transexualidade. O PLC 122/2006 Pela Equiparação da LGBTfobia ao racismo, embora controverso e polêmico, se faz necessário, sendo porém necessário alguns ajustes para evitar punições excessivas para crimes mais brandos.

Oportunidades de emprego que são negadas constantemente, pelo simples fato de exercer abertamente minha identidade de gênero, da qual tenho muito orgulho e não abrirei mão dela em hipótese alguma para conseguir um emprego. Por não corresponder ao padrão "ideal" de mulher trans*, pois ainda possuo certas características um tanto masculinas (a exemplo do meu timbre de voz), não é raro passar por situações do tipo.

Piadas diversas, ou excesso de "intimidade" de alguns homens, por exemplo, que nos vêem como meros objetos sexuais, as chamadas "bonecas", ou "t-gatas", que nos desumanizam e esquecem que acima de tudo somos seres humanos lutando por um espaço na sociedade que tanto nos reprime. Infelizmente, até mesmo entre a comunidade LGBT não é raro ocorrer uma segregação que nos coloca de fora de muitos dos projetos. Na maioria dos casos, projetos voltados para a comunidade LGBT contempla somente aos cisgêneros, esquecendo-se em seus textos por muitas vezes de incluir a população trans*. Falam de família homoafetiva, mas nunca mencionam famílias formadas por pessoas trans*, que podem ser homem trans* x mulher trans*, homem cis x mulher trans*, homem cis x homem trans*, mulher cisx mulher trans*, casais de homens trans*, casais de mulheres trans*, etc., com ou sem adoção de crianças. O próprio PLC 122/06 foi criado pensando exclusivamente na homofobia a priori, mas devido a reclamações agora é pensado também na transfobia.

Não tem nada pior para uma mulher, do que um homem que lhe passa a mão, pelo simples fato de você passar por ele, ou que simplesmente ao te conhecerem já te enxergam meramente como uma profissional do sexo e chegam de uma forma nada polida, para solicitar serviços sexuais. Não desmerecendo xs profissionais do sexo, pois a prostituição é uma prestação de serviços como qualquer outra e tal atividade deve sim ser respeitada e DEVIDAMENTE REMUNERADA! 

Muitos ainda, quando estão com amigos, conhecidos ou colegas, ao passar uma travesti, ou uma transexual, costumam sempre fazer aquelas brincadeirinhas infelizes: " - Olha lá velho, vai não? É toda sua!"... "- Ôxe tá doido? Eu gosto é de 'rachada', fica para você!" Será mesmo que eles acham que alguma de nós se interessaria por algum deles, eu me pergunto... É quase como se tivéssemos a obrigação de sair fazendo sexo com qualquer homem que aparece em nossa frente.

Por conta disso, não é raro muitos deles ao invés de pagarem pelo serviço, no caso dxs profissionais do sexo, negam-se a pagar e ainda muitos usam do discurso "ainda deu sorte que eu quis te comer"... Lamentável... Isso quando não falam: "Eu não dou dinheiro para comer minha mulher, eu vou pagar para comer um viado?" Ou simplesmente quando são solteiros, dizem querer se envolver não apenas sexual, mas afetivamente com a pessoa, mas não quer que ninguém saiba, entre outros exemplos. Muitos confundem sexualidade com identidade de gênero, pensando que são a mesma coisa. Por isso, costumam chamar as mulheres trans* de "viados", termo pejorativo utilizado para designar homens cisgêneros homossexuais.

As pessoas ainda precisam aprender a respeito da diferença existente entre identidade de gênero e orientação sexual. Na comunidade trans*, as orientações sexuais seguem a mesma linha existente nos cisgêneros. Existem hétero, homo, bi, pan, assexuais, etc... Por isso seria tão importante a implantação da discussão em salas de aula acerca da multiplicidade humana no que tange à sexualidade e gênero. Não somos seres binários, embora a maioria das pessoas ainda pense dessa forma. Criarmos uma cultura de paz, empatia e respeito à diversidade é essencial para que situações vividas por pessoas como eu não sejam mais consideradas "naturais". 

Não é fácil. Vivo numa luta diária para obter pelo menos um mínimo de respeito e tento atualmente lutar para que outrxs transgênerxs também acordem para a necessidade de lutar pelos direitos que nos foram usurpados de forma cruel e desumana.


OBS: Tenho plena consciência da repetição aparentemente excessiva do termo trans* durante todo o texto. Isso foi feito de forma proposital para enfatizar a problemática vivida pelo segmento, de forma a englobar todos os transgêneros (homens trans, mulheres transsexuais, travestis, dentre muitos outros)

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